Escolas públicas de Sergipe: abandono e descaso
Jornal da Cidade
21/07/2014 -

 Merenda de má qualidade é servida em locais impróprios; faltam material, professores e um plano pedagógico.

As escolas de Sergipe estão longe de serem escolas modelos e de apresentarem uma estrutura que não ofereça qualquer dificuldade para a aprendizagem. Em vários municípios do interior e na capital os problemas nas escolas são velhos e bem parecidos: falta merendeira, porteiro, professor, vigilante, diretores, secretários, e um plano de educação que funcione. “Nós continuamos com um sistema de ensino que não tem um plano de educação que planeje a médio e longo prazo o processo educacional no estado. Cada governo quer fazer a educação do seu jeito, sem um planejamento e isso tem prejudicado a melhoria da nossa educação”, afirmou o diretor da Base Estadual do Sindicato dos Professores do Estado de Sergipe (Sintese), Roberto Silva.

E os problemas não são só esses, no município de Carira, no Colégio Estadual Professor Artur Fortes, o professor de Geografia, Carlos Eduardo, revela que as dificuldades começam no acesso do aluno a escola. “Não é de agora que existe um verdadeiro jogo de empurra entre o Governo do Estado e a prefeitura de Carira com relação à manutenção do transporte escolar; têm alunos que não conseguem sair dos seus povoados para a sede do município onde fica a escola – que por sinal é a única que oferece o ensino médio – e eles enfrentam grandes problemas de acesso à unidade de ensino”, revelou.

Ainda segundo o docente, outro problema é quanto à estrutura da escola. Segundo ele, há poucos funcionários, existe irregularidade no serviço da merenda. Outro ponto é quanto o acesso à leitura, segundo Carlos Eduardo, não há um espaço propriamente dito para a biblioteca, o que existe é uma sala de livros que não está aberta aos alunos. “Muitas vezes o que se serve é a ‘merenda seca’, o biscoito, a broa e de vez em quando um suco. Para se ter ideia, temos pouco mais de mil alunos, e não temos um refeitório, os alunos comem em objetos de plástico, e quando comem é pela boa vontade dos merendeiros que conseguem fazer alguma coisa, não há um cardápio regular”.

“Enfrentamos ainda problemas de ordem pedagógica, recentemente chegou uma diretora na escola, passamos mais de seis meses sem um diretor. Embora se dissesse que seria encaminhada uma diretora. Quem fazia as funções atribuídas ao diretor era uma secretária, mas que por mais boa vontade tivesse, não tinha condições de dar conta de tudo”, conta o professor Mário Almeida.

Em Pedra Mole, o Colégio Estadual Governador Augusto Franco a situação não é diferente. Segundo o professor, a escola está há quase um ano sem diretora, só tem uma secretária, não tem porteiro, nem merendeira e uma pessoa só que executa todas essas atividades na escola. O professor denuncia ainda que a maioria das turmas é composta somente de três ou cinco alunos.

“O colégio foi recém-reformado, mas não há alunos suficientes que justifiquem a manutenção da escola. Eu ensino turmas com três, cinco, oito alunos. O que é alegado é que por muito tempo ficou sem o envio de professores concursados e os pais preferiram matricular os filhos na rede municipal. Hoje, a escola encontra-se estruturada, há professores, mas não tem alunos; e existe uma disputa de lideranças que alegam se os alunos saírem da rede municipal, os pais deixarão de receber o Bolsa Família”, denuncia o professor acrescentando ainda que na escola não tem equipe suficiente para manter o funcionamento da unidade. “Só temos uma executora de serviços básicos, que está como secretária, diretora, merendeira e faxineira. Sem contar a sala de informática, que está parada por falta de profissional para ensinar os alunos”, evidencia Mário.

A professora Glória Rejane leciona no Colégio Estadual Professor Fernando Azevedo, em Nossa Senhora das Dores, e também denuncia a falta de merendeira, porteiro e a demora na reforma da quadra da escola, que segundo ela, começou em setembro do ano passado e o prazo para reforma era de 90 dias, mas até o momento a obra não foi concluída. “Além disso, os alunos do fundamental maior estão sem professor de Ciências desde o início do ano. Então, não são problemas atuais, e gente não vê solução para nenhum deles”, salientou Glória Rejane.

Manutenção

Segundo Roberto Silva, apesar do Governo do Estado ter realizado várias reformas de infraestrutura nas escolas, ainda não existe uma política de manutenção. Ou seja, mesmo que as escolas apresentem boas condições estruturais, não há um trabalho de conservação permanente e isso acaba prejudicando o processo de aprendizagem.

 “Na escola Alceu Amoroso Lima, no Bairro Santa Tereza, estamos com um laboratório de informativa com os computadores parados, pois a rede elétrica não suporta. E é uma escola que foi reformada este ano, mas reformaram e não trocaram a afiação elétrica. São situações graves que a gente vive. E como não há um planejamento institucional, nenhuma política permanente de manutenção das escolas, isso acaba prejudicando todo o conjunto”, afirma.

Plano educacional

Ainda segundo o diretor da Base do Sintese, o Estado de Sergipe tem uma dívida social muito grande com a sociedade sergipana em relação à educação. “Não temos uma política de formação permanente dos profissionais que trabalham nas escolas, temos uma formação inicial na universidade, mas a gente se atualizar com os novos conhecimentos que vão sendo produzidos. Isso a gente não tem, não há uma política para isso, não temos política que garanta condições de trabalho digna aos professores. Temos uma realidade onde somos um dos piores estados em oferta do ensino médio; um dos estados onde praticamente não temos creches. São situações que se perpetuam mesmo com o avanço da legislação, mesmo com os incentivos de recursos, isso não tem avançado”, lamenta.

Falta professor

Outro problema grave, segundo Silva, é a falta de professores nas escolas. Segundo ele, desde 2010 essa situação tem se tornado mais alarmante. “Para gente isso tem piorado a cada ano porque tem casos em que o aluno passa o ano inteiro sem aula de um determinado componente curricular, quando chega no final do ano o estado arruma um professor para em um mês dar aula de um ano, e isso no nosso entendimento é uma fraude, porque de fato o aluno não vai ver o conteúdo e passa de ano sem aprender. Isso tem ocorrido ano após ano, é uma realidade recorrente no estado, a gente espera que isso seja corrigido, mas a gente tem vivido uma situação anormal, porque o estado está contratando professor, mas continua faltando docentes. A gente continua com uma política muito forte de apadrinhamento, de tirar professor de sala de aula como ‘prêmio’, e isso prejudica o ensino também”, elenca Roberto.

Na opinião dos três professores entrevistados, a explicação para tanto problema é a má gestão. “Elaboramos um documento mostrando a problemática de toda a escola e entregamos a Secretaria Municipal. Então, eles têm ciência do que está ocorrendo, mas não procuram de fato solucionar”, acreditam. “Há uma cobrança dos alunos e dos pais para com o professor, mas a gente não tem como solucionar essas situações, elas não dependem exclusivamente de nós. Parece que estamos nas escolas somente para dar aula e esquecer as dificuldades que alunos, professores e funcionários precisam enfrentar todos os dias”, concluíram.