“Foi uma emoção muito grande. Se você estivesse ali perto de mim, você teria visto que eu chorei um bocadinho”, disse o professor do Departamento de Filosofia, e também músico, William Piaui, expressando um sentimento partilhado por muitos que estiveram no auditório lotado da Didática 7 na noite desta quarta, 23, para a cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa ao cantor e compositor Martinho da Vila.
Aos 85 anos, o sambista carioca está em Sergipe desde a segunda-feira, 21, para receber o título concedido pela Universidade Federal de Sergipe, dentro das comemorações pelos 55 anos da instituição, e participar da 1ª Conferência Internacional Arab Latinos!, evento promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em parceria com o Centro de Estudos Árabes e Islâmicos (Ceai/UFS).
Martinho contou que este é o terceiro título de doutor Honoris Causa que recebe na vida, e que os dois títulos anteriores o sensibilizaram, “mas eu consegui dominar as emoções. Entretanto, confesso que esta honraria está fazendo meu coração pulsar mais forte, acelerar. Meu nervosismo acho que está aparente – e dizem que eu não fico nervoso nunca”.
Se descrevendo como alguém de “poucas palavras” e que não gosta muito de falar de si, Martinho disse que sua missão nessa terra é cantar e, em breve discurso, teceu elogios aos sabores e vultos históricos da terra que ora o acolhe e nomeia doutor, terminando com uma palhinha de uma de suas composições: “Vai ter que amar a liberdade / Só vai cantar em Tom Maior / Vai ter a felicidade de / Ver um Brasil melhor”, prévia de uma noite que terminaria em roda de samba, na praça superior da Didática 7.
O reitor Valter Santana destacou a importância da concessão desse título a Martinho da Vila: “Nos últimos anos, temos avançado não só nos debates, mas também em ações em torno das políticas afirmativas. Temos acertado, temos errado e, principalmente, temos aprendido nesse processo. Neste sentido, é bastante representativo ter a oportunidade de homenagear um artista preto, brilhante, alguém que estudou e cantou Sergipe e sua cultura. Alguém cujo sorriso nos leva a também sorrir e a ter esperança”.
E complementou: “Ao ter se tornado uma referência incontestável para a população negra, para garotas e garotos das periferias brasileiras, das comunidades mais humildes, Martinho da Vila dá exemplo do quanto podemos mudar, do quanto podemos transformar a realidade, do quanto vale a pena sonhar e sorrir. A Universidade Federal de Sergipe reconhece na vasta obra de Martinho da Vila um exemplo para as futuras gerações”, disse o reitor.
“Martinho da Vila dá compasso a um projeto de cosmopolitismo de viés humanista. Leal aos sopros que defumam a ideia de origem, Martinho pode ser visto como um diplomata-pensador-cantador das circularidades”, pontuou o professor Geraldo Campos, de Relações Internacionais, no discurso de homenagem ao agraciado, escrito a quatro mãos com o professor Thiago Franco, também do DRI.
Representante docente no Conepe da UFS, a professora Thais Fernanda Rabelo, apontou que, sendo um “compositor por natureza”, Martinho da Vila “aprendeu a usar a voz para cantar, mas também para dar voz e vozes a questões necessárias. Sua contribuição para a música e para a literatura se derrama em obras que muito bem simbolizam a diversidade brasileira e que reforçam a forte ancestralidade africana, basilar para nossa música”.
Análise semelhante foi feita pelos professores Geraldo e Thiago, ao dizerem que as “origens” cantadas por Martinho “são vivas, abertas; espraiam-se em novos arranjos e alianças. Seus trabalhos promovem uma coexistência harmoniosa que não ignora a violência, nem tampouco é ingênua, e há forte valor em tal fato. Daí resulta a altivez otimista de uma solidariedade internacional composta por uma voz popular.”
Avaliando a dimensão desse acontecimento, o professor William Piaui faz um cálculo filosófico e arremata: “Eu não sei quem ganha mais, se é o Martinho da Vila, ou somos nós, porque na verdade esse título o Martinho da Vila sempre teve, nós é que nunca tivemos um doutor como o Martinho da Vila”.
Honoris causa
Maior de todas as honrarias concedidas pela universidade, o título de Doutor Honoris Causa, segundo o Estatuto da UFS, é concedido a personalidades que se destacaram pelo saber seja pela atuação em prol da Filosofia, Ciências, Técnica, Artes e Letras seja pelo melhor entendimento entre os povos ou em defesa dos direitos humanos. O título foi proposto pelo Conselho Departamental de Relações Internacionais e concedido por meio da Resolução Nº 15/2023 do Conselho Universitário.
Fonte: Ascom UFS