As péssimas condições dos matadouros no Interior sergipano é um problema antigo. Os relatos e denúncias de falta de manutenção e de higienização em abatedouros de diversos munícipios se multiplicam por todo o Estado. Parecem um coro uníssono que revela a necessidade urgente de reformas ou da construção de novos espaços para o abate dos animais para o consumo de carne. Diante disso, o Ministério Público do Estado (MPE) determinou providências para que parte do problema seja solucionado, começando pela Região Sul de Sergipe.
Assim, o MPE exigiu que as Prefeituras de Tomar do Geru e de Cristinápolis, distantes de Aracaju, respectivamente, 115 quilômetros e 131 quilômetros, cujos matadouros estão localizados em áreas urbanas, sejam transferidos para outros terrenos. A exigência fez surgir a possibilidade de construir um abatedouro regional dentro das especificações e requisições da Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema). Na verdade, o matadouro regional, que deve ser erguido em Tomar do Geru, seria feito em regime de consórcio, que englobaria ainda as Prefeituras de Umbaúba e Itabaianinha, municípios vizinhos, localizados, respectivamente, a 98 quilômetros e 118 quilômetros da Capital.
Para tomar tal decisão, o Ministério Público Estadual levou em conta queixas antigas e atuais da população em ambos os municípios. Para se ter ideia, em Cristinápolis, há uma Ação Civil Pública, desde 2011, que determina que o Matadouro Municipal Antônio de Oliveira seja regularizado. Em Tomar do Geru, foi em 2012 que o MPE determinou uma Ação Civil Pública para que o Matadouro Municipal também fosse adequado ao abate de animais. Nesse município, naquela época, a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro) fez uma perícia e considerou o local inviável para uma nova obra, por causa da proximidade de zonas residenciais.
Em Cristinápolis, acontece o mesmo. Inclusive, o descontentamento do povo foi escancarado na matéria “População quer matadouro distante”, do Caderno Municípios do JORNAL DA CIDADE, divulgada no início de agosto deste ano. O texto apresentou um raio-x da situação precaríssima do matadouro municipal e destacou a reivindicação popular para que fosse transferido para um local mais distante da zona urbana. Entre as queixas, o barulho dos animais sendo mortos e a falta de estrutura e de higiene no espaço.
Abaixo-assinado
Os moradores da Travessa Aurino Dias de Menezes e das redondezas, no Bairro Santa Clara, popularmente conhecido como Desvio, afirmam que a “sinfonia” é tão incômoda que muitos não conseguem dormir. As crianças, inclusive, ficam assustadas por vivenciarem, mesmo que apenas ouvindo, enquanto bovinos, caprinos e aves são mortos – ainda de maneira rudimentar, destaque –, para que as carnes sejam comercializadas na feira livre que ocorre aos sábados.
Por tudo isso, os moradores de Cristinápolis fizeram um novo abaixo-assinado, que foi levado ao MPE. Inicialmente, a promotora de Justiça Alessandra Pedral de Santana Suzart elaborou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que foi assinado pelo prefeito Raimundo da Silva Leal (PCdoB), a fim de que o abatedouro fosse regularizado. No entanto, ficou evidente que seria necessária a construção de outro espaço, em vez da reforma do atual abatedouro.
Assim, numa nova audiência realizada no dia 14 de agosto em Cristinápolis, constatou-se a necessidade da interdição do local. A sugestão da promotora foi transferir o abate para o matadouro mais próximo – isso em curto e médio prazos. “Constatamos, porém, que, no Estado, o único espaço que atende as especificações da Adema é o Nutrial [em Propriá, no Baixo São Francisco, na região extrema oposta]. Aqui, no Sul do Estado, o local mais perto é em Alagoinhas, na Bahia, que fica a mais de 100 quilômetros”, destaca Alessandra Pedral Suzart. Detalhe: o processo judicial foi suspenso por 60 dias para que um levantamento de custos dessas duas alternativas possa ser feito.
O estudante Ian Silva Souza, 19 anos, morador de Cristinápolis, no entanto, considera que seria até fácil resolver o problema do matadouro, desde que houvesse um pouco mais de boa vontade e de iniciativa da parte do prefeito. “Dava também para ter investimento do Ministério da Agricultura, porque ele anda muito em Brasília. Deveria ir até lá e buscar recursos ou até um empréstimo para construir uma nova sede”, sugere Ian. O prefeito de Cristinápolis foi procurado pela equipe de Jornalismo do Caderno Município, mas não foi encontrado, apesar das inúmeras ligações para a Prefeitura e para o celular do gestor público.
Consórcio
Paralelamente ao processo de Cristinápolis, houve uma audiência em Tomar de Geru, realizada no dia 15 deste mês, na qual surgiu uma nova possibilidade de solução em médio e longo prazos: a realização de um consórcio para a construção de um matadouro regional, que, segundo Alessandra Pedral, custaria R$ 4 milhões aos cofres públicos.
A ideia do consórcio com os quatro municípios surgiu do próprio prefeito de Tomar do Geru, Augusto Soares Diniz (PPL), 44 anos, que colocou à disposição metade do valor necessário. Esse recurso é de 2007, da gestão de Gildeon Ferreira da Silva, que recebeu, àquela época, R$ 1,2 milhão para construir um matadouro municipal. A obra foi iniciada, mas embargada em seguida pela Adema, porque o terreno era localizado próximo a um assentamento. “Esse recurso ficou na conta e, hoje, já equivale a mais de R$ 2 milhões”, explica Augusto Diniz.
O prefeito de Tomar do Geru comenta que, antes da audiência com o MPE, conseguiu disponibilizar dois terrenos para a construção do matadouro regional. No entanto, apenas um deles foi aprovado pela Adema, que concedeu uma licença prévia. Assim, com metade do dinheiro em caixa e com o terreno garantido, ele fez a proposta à Promotoria do Ministério Público para reunir os prefeitos dos quatro municípios, a fim de cooptar os recursos restantes através de emendas parlamentares com a ajuda de deputados parceiros. “Poderíamos conseguir de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões para fazer o matadouro regional”, almeja.
A reunião com os prefeitos será feita logo depois das eleições, encerradas hoje, dia 26 de outubro. “Tenho certeza que os outros prefeitos vão se interessar por esse projeto, pois as cidades ficam todas próximas, ao redor de Tomar de Geru”, argumenta.
Com a construção do abatedouro regional, pelo menos 200 marchantes serão beneficiados, sem contar as pessoas que trabalham no complemento do abate, a exemplo das mulheres que tratam as vísceras dos animais. Assim, a estimativa é que sejam gerados, em média, 500 empregos na região. Detalhe: apesar de arcar com pelo menos 40% dos recursos, caso consigam mais R$ 3 milhões, a Prefeitura de Tomar do Geru deve dividir os gastos da administração e da manutenção do matadouro regional. Entre os gastos, a aquisição de caminhão adequado para transportar a carne para os municípios consorciados.